BUENOS AIRES - Além de escândalos de corrupção, problemas de infraestrutura, suspeitas de tentar se manter no poder e de censurar a imprensa, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, enfrenta questionamentos da oposição por outro fator - suas relações com o Irã. O Congresso ratificou ontem um polêmico acordo firmado entre os dois países para, supostamente, esclarecer as causas do atentado terrorista que matou 85 pessoas e deixou 300 feridas junto a um centro judaico da capital, a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia).
Com 131 votos a favor e 113 contra, o kirchnerismo converteu em lei o Memorando de Entendimento entre a Argentina e o Irã, assinado em 27 de janeiro passado, com o objetivo de criar uma "comissão da verdade" sobre o ataque, cujas investigações indicam a autoria do Irã - algo que Teerã nega com veemência.
A proposta visa à criação de um grupo formado por cinco juristas independentes, internacionais, além do juiz argentino responsável pela causa. A comissão poderia, então, interrogar pela primeira vez em Teerã oito acusados pelo crime - entre eles o atual ministro iraniano da Defesa, Ahmed Vahidi e o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani. Mas, para viabilizar a iniciativa, falta, ainda, a aprovação do Majlis, o Parlamento do Irã.
Israel pede explicações
Durante um debate de 12 horas no Congresso, centenas de parentes das vítimas e membros da comunidade judaica da Argentina, a maior da América Latina, com cerca de 300 mil membros, protestaram em frente ao prédio, carregando cartazes com os dizeres "Não".
O presidente da Amia, Guillermo Borger, disse que vai entrar com um recurso contra o acordo:
- Nós apresentaremos o pedido de anulação na Suprema Corte.
A Justiça argentina acusa Teerã de estar envolvida no atentado que explodiu o imóvel de sete andares onde ficava a Amia em Buenos Aires. A investigação do ataque parou em 2006, quando a Justiça argentina acusou oito autoridades e líderes iranianos. Sobre todos eles pesa uma ordem de captura da Interpol com um alerta vermelho que Teerã se nega a reconhecer.
- O acordo não pode ser acompanhado. Reconhecemos a iniciativa de tentar esclarecer os fatos, mas as dúvidas continuam no ar - criticou o presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (Daia), Julio Schlosser.
A oposição à Cristina Kirchner também questionou a decisão, alegando ser absurda uma parceria com o próprio acusado pelo crime. Opositores insinuaram, ainda, que o governo estaria agindo movido por interesses comerciais, como a compra de petróleo e a venda de grãos.
- Que tipo de cooperação podemos ter com este país? A bomba foi debatida pelo governo do Irã, que ordenou explodi-la - questionou o deputado Ricardo Gil Lavedra.
Em Jerusalém, o governo de Israel também criticou a iniciativa, chamada de "uma armadilha" do Irã. E cobrou explicações do embaixador argentino em Tel Aviv.