terça-feira,
19 janeiro, 2016 - 7h51
O
Aquífero Guarani é um reservatório
de águas doces subterrâneas que ocupa parte
dos territórios do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai
Entre 2002 e 2010, durante as negociações
com esses países para a assinatura do acordo que
regula a utilização dessas águas, o
Brasil atuou de modo soberanista e não exerceu o
papel de líder das negociações.
“A maior preocupação do Brasil foi
garantir que não haveria interferência dos
outros três países. As autoridades brasileiras
buscaram preservar a soberania nacional para que o acordo
não permitisse nenhuma interferência no território
subterrâneo nacional e em seus recursos naturais.
Porém, foi uma atuação reticente,
com a intenção de que o envolvimento fosse
o menor possível”, aponta a jornalista Cínthia
Leone Silva dos Santos, autora da dissertação
de mestrado Atuação do Brasil na negociação
do acordo sobre o aquífero guarani, apresentada em
14 de dezembro de 2015 ao Instituto de Energia e Ambiente
(IEE) da USP.
A pesquisa, realizada sob a orientação do
professor Wagner Costa Ribeiro, mostra que o Uruguai foi
o país que mais se mobilizou pela assinatura do acordo.
“Os diplomatas uruguaios se movimentaram e iam pessoalmente
para as discussões”, conta a jornalista. O
Brasil foi o país que mais interrompeu as negociações.
Apesar disso, a reunião de assinatura do acordo,
na Argentina, em 2010, ocorreu por iniciativa brasileira.
Nathan
Sodré Salvatierra / Wikimedia
Ao
negociar com Argentina, Uruguai e Paraguai, Brasil adotou
postura soberanista
Após
a descoberta do Aquífero Guarani, em 1996, era necessário
regulamentar o uso das águas. Porém, existiam
poucas informações técnicas a respeito.
Entre 2002 e 2009, foi realizado, com recursos do Banco
Mundial, um projeto de pesquisa sobre o aquífero.
“Havia um grande temor de que a realização
de alguma obra para a utilização das águas
no território brasileiro pudesse causar repercussão
negativa para os outros países”, informa a
pesquisadora, lembrando que as pesquisas mostraram que essa
interferência não existe.
Segundo a jornalista, outra preocupação,
principalmente do governo uruguaio, era de que a Organização
das Nações Unidas (ONU) considerasse as águas
do aquífero como internacionais, abrindo assim a
possibilidade de exploração por outros países
além de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
A primeira proposta para o acordo foi em 2004, mas não
houve consenso devido a existência de divergências.
Segundo Cinthia, foram feitas cinco versões do mesmo
acordo até a assinatura, em 2010.
Além de analisar esses cinco textos, a pesquisadora
investigou também as propostas de cada país
e as trocas de correspondências entre o Ministério
das Relações Exteriores do Brasil e os outros
países, além de documentos do Ministério
do Meio Ambiente brasileiro. Ela também entrevistou
especialistas ligados ao aquífero.
Uma das propostas da Argentina era a criação
de um órgão de solução de controvérsias
e também a necessidade de consulta prévia
para a realização de obras de aproveitamento
das águas. “O Brasil se posicionou contra essas
duas propostas. Está previsto que haverá um
órgão próprio de solução
de controvérsias, mas sem nenhum molde definido e
sem usar nada do que estava contido na proposta argentina.
O acordo final exclui a necessidade de consulta prévia,
ou seja, ficou como o Brasil queria”, diz.
Caminho pacífico embasado pela ciência
“O acordo sobre o Aquífero Guarani se tornou
o primeiro sobre águas transfronteiriças [cujos
limites vão para além das fronteiras dos países]
a ser assinado de modo pacífico. Isso é algo
novo na diplomacia”, diz a pesquisadora. Outro ponto
positivo foi que o documento assinado teve como embasamento
as pesquisas científicas realizadas durante o projeto
do Banco Mundial. “Isso mostra a influência
daquilo que estava sendo produzido no campo científico”,
destaca. Sobre a gestão do aquífero, ela é
realizada de modo independente pelos quatro países,
sem que um interfira nas decisões do outro.
A pesquisadora lembra que Argentina e Uruguai já
ratificaram o acordo, ao contrário do Brasil e do
Paraguai. “Com a não ratificação,
os países deixam de criar alguns órgãos
propostos no acordo”, explica. No caso do Paraguai,
a proposta é a criação de uma escola
de formação para capacitação
técnica. No Brasil, é a existência de
um órgão técnico para monitoramento
dos poços que utilizam as águas do aquífero.
Para o Uruguai, a criação de um órgão
de análise das características físico-químicas
da água, pensando nos corredores termais existentes
naquele país. Para a Argentina, não havia
especificações, mas o país forneceria
dados sobre a utilização dessas águas.
Outros aquíferos
Ao ser descoberto, o Aquífero Guarani foi considerado
como a maior reserva de água doce subterrânea
do mundo. “Posteriormente, foram descobertos dois
outros aquíferos: o Alter do Chão, que abrange
os estados do Pará, Amazonas e Amapá, no Brasil;
e a Grande Bacia Artesiana, na Austrália. Ambos desbancaram
o Guarani e hoje são os maiores do mundo”,
esclarece a pesquisadora.
A maior parte do Aquífero Guarani está localizada
em território brasileiro, sob os Estados de Goiás,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Mais de 90% de
toda a água retirada do aquífero é
usada pelo Brasil. Encontrei dados na literatura apontando
que de 70 a 80% dessa retirada de água é feita
pelo Estado de São Paulo. E a maior cidade abastecida
exclusivamente pelo Guarani é Ribeirão Preto,
com mais de 600 mil habitantes”, finaliza.
Por Valéria Dias | Agência USP
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