Anotações de viagem – Tribuna do Norte

Nei Leandro de Castro
escritor

Aos 19 anos, ganhei um prêmio literário que dava direito a uma viagem a qualquer país da América do Sul. Escolhi a Argentina e lá me fui, com muito pouco dinheiro, para Buenos Aires. Foi um presente de grego que dei a mim mesmo. Minha única refeição do dia era um sanduíche. Passeava pelas ruas do centro, ficava olhando as belas livrarias, com a fome sempre presente. Certa vez, ouvi o som de uma rumba que vinha do apartamento vizinho. Olhei pelo buraco da fechadura e vi uma mulher dançando nua essa dança “caliente”. Chamei Onan para me fazer companhia e nos divertimos a valer.

E minha primeira viagem a Paris? Eu estava fazendo uma pós-graduação em Lisboa e resolvi ir à bela capital da França. Também sem dinheiro, procurei me hospedar na casa de Marcos Guerra, que estava morando por lá, mas não foi possível. Uma argentina chatíssima, chamada Chole, não permitiu. Fui para um hotel de quinta categoria e lá fiquei, como os pobres de Paris. No dia da volta, perguntei a Marcos se era possível eu pegar uma carona até Lisboa. Ele disse que sim e me deixou numa estrada. Passei cerca de duas horas na estrada, com muito frio, acenando para os carros que passavam. A certa hora, um carro parou e perguntou para onde eu ia. Eu respondi que ia para Lisboa e o motorista deu uma risada. Disse que eu desistisse, não ia pegar uma carona dessas nunca. E me levou para uma cidadezinha chamada Angoulême, de onde voltei para Paris e de lá fui de trem para Lisboa.

Paris sem dinheiro é uma tristeza. James Joyce que o diga. Esse grande escritor era um tremendo vigarista. Vivia às custas da dona da livraria Shakespeare Company e ainda reclamava quando os cheques que lhe eram enviados pelos amigos chegavam atrasados. Em Paris tive a companhia de uma brasileira que me levou a muitos lugares. Com ela, descobri os restaurantes argelinos, de comida farta e bons preços.

Em Lisboa, também tive problemas com dinheiro. Certa vez, gastei todo o meu dinheiro com Esmeralda. Ela viajou durante o Natal, para ver a família  e eu fiquei sozinho. Passei três dias me alimentando com Nescafé. Depois, não suportando mais a fome, fui ao restaurante Monte Carlo, onde sempre ia com a minha namorada, e expliquei ao mâitre minha situação. O mâitre me perguntou: “ - Pagarás quando?” Respondi que pagaria tão logo recebesse o dinheiro de minha bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. O mâitre disse: “Podes pedir o que quiseres.” Comi como um Pantagruel e nunca esqueci da delicadeza do mâitre. O Monte Carlo fechou suas portas e sinto falta dele quando vou a Lisboa dos meus amores.

A lógica do português é interessante. Certa vez, perguntei se o restaurante em que eu estava almoçando fechava aos sábados. O garçom disse que não. Voltei sábado ao restaurante e o encontrei fechado. Na segunda-feira, disse ao garçom que tinha ido ao restaurante no sábado e ele estava com as portas fechadas. O garçom explicou à maneira portuguesa: - “Não fechamos porque não abrimos.”   

Citação da semana: “Imprensa é coisa séria. Por dinheiro é capaz de publicar até a verdade.” (Rodrigo Rodrigues Roque)

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