Foram quase 3 mil quilômetros percorridos. Via terrestre! No total: 46 horas dentro de um ônibus, em uma viagem de bate-volta, sem tempo para passeio. Tudo por 90 minutos. Mas o duelo histórico contra o River Plate justificou a aventura dos torcedores da Chapecoense e inclusive deste repórter que vos fala. Dois ônibus e uma van partiram de Chapecó (SC) a Buenos Aires (Argentina) na tarde de terça-feira. O GloboEste.com acompanhou a excursão e conta os detalhes do trajeto sem banho, sem ar condicionado, com calor, mas nem por isso menos especial e divertido: tornam a jornada ainda mais marcante. Claro que todo relato é parcial. O esforço, portanto, é que ele seja o mais completo possível...
O começo da viagem: turma se prepara para embarcar (Foto: Laion Espíndula)
Evitar o tédio é o segredo quando se pensa nos infinitos giros do ponteiro que ainda virão. No início é uma missão fácil. Há a expectativa da viagem, as primeiras conversas, todo mudo se conhecendo, e os papos fluem. Para um repórter, é o melhor momento. São pautas que pipocam na sua frente, o tempo todo. Só chutar que é gol. Difícil mesmo é o retorno. Mais precisamente a parte final, quando tudo já se falou sobre o jogo visto. As histórias esgotaram, o cansaço toma conta – até dormir se torna exaustivo – , a sensação ruim pelo limite da higiene após três dias incomoda muito, e o caminho parece que não termina. Foi essa hora que comecei o relato da viagem. Talvez até para encurtar esta saga, que parecia não ter fim.
A excursão foi fechada de última hora. Acho que por isso ocorreram os contratempos. O primeiro atraso ocorreu na saída. Marcada para as 13h, o veículo deixou Chapecó somente às 14h30. Pouco? Havia muita ansiedade. Falei com alguns torcedores, e eles não viam a hora de presenciar a equipe da Chapecoense pisando no gramado do Monumental de Núñez, estádio do River, que recebeu final de Libertadores e de Copa do Mundo (lá a Argentina conquistou o título mundial em 78). Será que tal fato ocorreria outro dia na história do clube verde e branco, que há poucos anos ainda lutava para chegar à Série B? Senti que essa interrogação reforçava o argumento da maioria para encarar o trajeto pela frente.
- Quando vamos ter essa oportunidade de novo?
- Decidi de última hora. É jogo histórico, né?
Viagem "sem fim", mas com bela vista proporcionada (Foto: Laion Espíndula )
Primeiras histórias
Eram as frases mais ditas antes do embarque. Para uma longa viagem, é necessário que se faça a foto oficial. Aí pautas – assuntos para matérias jornalísticas – surgem em cascata. Três homens abriram uma faixa de “Los Bonfatti”. Fui conversar com eles. A família é de Pato Branco (PR), chegou ao Oeste catarinense há 26 anos, e os filhos do seu Ludovico, então crianças, viraram fãs do Verdão. E a paixão foi passada de “filhos para pai”, ao contrário da tradição hierárquica.
Rúbia e Emanuelly com a resposta ao "Olé" (Foto: Laion Espíndula)
Um cartaz com “Somos terRiver” também chamou atenção. Quem segurava era Rúbia Valentee e Emanuelly Magrin, brincadeira com a matéria do "Olé", famos periódico e site argentino de esportes, sobre a Chapecoense. As duas estudam no litoral de Santa Catarina e tiveram mais chão para percorrer. Saíram do litoral para o Oeste. E depois do Oeste para Buenos Aires. E se aventuraram num ônibus com uns 45 marmanjos. Conviveram com as piadas do mundo masculino. Riram... não sei se apenas por simpatia ou por diversão mesmo.
Fiquei fascinado quando encontrei o seu Altayr Zanella no veículo. Ele foi um dos fundadores da Chapecoense, tem 74 anos e não reclamou em nenhum momento. E o respeito pela figura tão importante do clube era nítido quando alguém puxava papo. Foi a primeira viagem internacional de seu “Zanelinha”. Graças a Chape, que ele ajudou a criar 42 anos atrás. E ainda há quem diga que futebol é só futebol, mais um esporte...
Sem ar?
O calor começou a incomodar nas primeiras horas. Ficou claro que o ar-condicionado não estava funcionando depois de vários pedidos para o motorista ligá-lo.
- Mas já tá ligado - era a resposta.
- Mas ninguém aguenta de calor - retrucávamos.
Paramos em Carazinho (RS), em uma mecânica. Mais atraso. A ideia era colocar gás para refrescar o ambiente. O mecânico descobriu um vazamento, e a solução levaria umas cinco horas. Conversa vai, conversa vem, olha daqui, olha dali. Seguir viagem e abrir o alçapão do teto foi a alternativa mais sensata.
Para esquecer o calor e fazer o tempo passar, a opção de muitos foi o baralho. No primeiro andar do veículo foi criada uma espécie de “clube do truco”, com apostas de R$ 1. Quem entrava na sala logo era intimado aos duelos. Arrisquei e entrei na rodada. No meio de “profissionais” do carteado, fiz fiasco e afundei minha dupla para uma derrota sem precedentes. Desisti do jogo.
Truco fez sucesso na viagem (Foto: Laion Espíndula)
A noite foi chegando, e o clima ficou agradável. Tchau, calor! Aí já me sentia grudento. Então, imaginem na volta. Acho que era a sensação de todos. Não foi muito fácil encontrar lugar para jantar. Passamos por um restaurante que estava fechando. No segundo, não havia comida pronta. O que levaria um tempo considerável. Alguns ficaram no lanche, como eu. Era tanta fome e nenhuma paciência para esperar. Outros aguardaram o prato de arroz, fritas, feijão e bife. Ficamos mais de uma hora lá. Mais um atraso para a conta.
No território estrangeiro
Enfim na fronteira. Passava da meia-noite quando chegamos na Aduana, entre São Borja (RS) e São Tomé (Argentina). Do nada, muitos saíram correndo do ônibus. Reclamavam do odor no ambiente causado, provavelmente, por algum humano. Episódio batizado como “foguetório de São Tomé”.
Passaporte River x Chape (Foto: Laion Espíndula )
Levamos bastante tempo para entrar na Argentina. A burocracia nos tomou tempo. Além disso, o pagamento das taxas tinha que ser em pesos argentinos, o que ninguém tinha até aquele momento. Depois de muita negociação, conseguimos a liberação para seguir viagem. Aí já eram 2h da manhã (no horário do Brasil).
Em solo argentino, a viagem passou rápida. Até porque era madrugada e todo mundo dormiu. Apenas um café da manhã e segue viagem. O relógio apontava para 13h30 (no horário local, e 14h30 no Brasil), quando o ônibus chegou em Buenos Aires. Restava três horas para almoçar,
passear(?!) e voltar ao ônibus, que levaria ao Monumental. No papel de jornalista, ainda dei uma passada no hotel onde a Chapecoense estava hospedada e concentrada. Cleber Santana me recebeu com atenção, enquanto conversava com um casal brasileiro que passava férias na cidade - o rapaz é músico e amigo de Apodi. Na ida para o estádio, quando a gente passava por torcedores do River, alguém gritava do ônibus “Dále, Chape”. Sorte que a escolta nos protegia.
Nem a derrota por 3 a 1 diminuiu o ânimo do pessoal. Encerrada a partida, voltamos para o Brasil. Nada de conhecer a noite na capital argentina. Mas 1,3 quilômetros de chão nos esperava. Foi o momento de lembrar de cada lance e analisar o confronto. A principal lembrança foi do momento do gol do meia Maranhão, no primeiro tempo. Ali, o grito da torcida da Chape ficou mais forte que a do River. Tudo bem que durou segundos. Mas deve ser levado em consideração que eram 200 contra 50 mil.
Monumental de Núñez lotado pela torcida argentina (Foto: Laion Espíndula )
Tem a volta ainda
No cansaço de mais de um dia e meio longe de casa, a volta foi boa para dormir. No clima agradável da madrugada argentina, sem parar para comer, seguimos para o Brasil. O retorno
foi um pouco mais rápido. Durou 22 horas. Duas horas a menos. o/
Durante a tarde, o cansaço já tomava conta de todos. Sem banho e novamente com muito calor, passamos pelo Rio Grande do Sul. O cheiro não chegava a ser insuportável, mas longe de agradável. Piorava quando alguém resolvia usar o banheiro. A vontade era de chegar logo em casa, cada vez mais.
Com todos que conversei, ficou uma certeza: a viagem valeu a pena. O mais importante foi presenciar um fato histórico para o clube verde e branco. A avaliação, de uma forma geral, foi de que a Chape fez um bom jogo e que poderia ter um resultado melhor . Apesar de levar 3 a 1, muito disseram que o gol fora pode ser a salvação. E senti que há esperança de reverter na Arena Condá, na próxima quarta-feira, passar para a semifinal continuar fazendo história na Copa Sul-Americana - e na história deste clube que tanto fez história nos últimos anos.
Turma do busão (Foto: Laion Espíndula )
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