Há alguma vantagem em ter um milionário como presidente de um país? Por entre a campanha a favor de Maurício Macri num dos bairros pobres da capital argentina, alguém sugeriu que, sendo tão rico, Macri não terá necessidade de roubar o povo ou de recorrer à corrupção e essa seria a maior das vantagens na sua eleição face ao rival Daniel Scioli. David García Aristegui, autor do ensaio “Por qué Marx no habló de copyright?” e citado pelo diário “El País”, coloca a si próprio a questão que começa este texto e tenta responder: “Esse argumento é ridículo”, defende. “Assim de repente não me ocorre uma única vantagem e, pelo contrário, vejo muitos inconvenientes. Os grandes empresários e ricos homens de negócios estão habituados ao poder e a mandar no seu ambiente natural no último reduto do fascismo que são, afinal, as grandes empresas.”
A verdade é que, ao longo do tempo, o filho de um dos homens com maior fortuna do país procurou demarcar-se da imagem redutora de alguém a quem o poder assentava só por causa do dinheiro e, no âmbito da política, desenvolveu um percurso de aproximação aos mais desfavorecidos. Mesmo assim, esse dinheiro não deixa de criar um certo efeito de rejeição nas áreas mais deprimidas de Buenos Aires, conforme salienta a imprensa argentina. Oseu pai conheceu ligação à chamada “patria contratista” nos anos 90, isto é, os empresários mais próximos do núcleo do poder que, por sistema, ganhavam os concursos públicos para as maiores obras no país, antes de uma aposta mais efectiva na China há cerca de 20 anos.
Desporto e política
Nascido a 8 de Fevereiro de 1959 em Tandil (Buenos Aires), filho de Franco Macri, empresário de origem italiana que fez fortuna como industrial e construtor civil, e de Alicia Blanco Villegas, de ascendência espanhola, Maurício Macri tornou-se engenheiro civil após estudos na Universidade Católica, além de ter passado antes pelo exigente colégio Cardenal Newman e, mais tarde, por outros exemplos como a Columbia Business School ou a Wharton School da Universidade da Pensilvânia. A experiência profissional começou na SIDECO, empresa integrada na holding Socma Group pertencente ao pai, seguindo-se o departamento de crédito do Citibank na capital argentina e o Socma, onde assumiu o cargo de director-geral em 1985. Mais tarde seria vice-presidente da Sevel Argentina (que detinha licenças da Fiat e da Peugeot, por exemplo) e, a partir de 1994, presidente da empresa. Pelo meio, contudo, em 1991, aconteceu um dos episódios mais delicados da vida de Macri: um grupo de agentes policiais planeou e concretizou o seu rapto, quando o então empresário entrava em casa, obrigando a família a pagar valioso resgate pela sua libertação após duas semanas de cativeiro.
Sem ser um “turista da política”, uma vez que liderou os destinos de Buenos Aires a partir de 2007, nas diversas análises que tentam explicar a escolha do povo argentino outro dos argumentos que podem ter representado vantagem para Macri é a demonstração de competência também no papel de gestor empresarial e desportivo, uma vez que liderou o Boca Juniors para um período de grande sucesso. Eleito em 1995, foi reconduzido em 1999 e 2003 (saiu em 2007)e está associado a sete triunfos nacionais e 11 internacionais nessa passagem. Além disso, a decisão de recuperar Diego Maradona, ídolo absoluto em La Bombonera, partiu do então presidente: o astro voltou em 1995 e ficou até anunciar a retirada em 1997, na véspera do seu aniversário, mas entrou em rota de colisão e tem sido crítico de Macri.
Decidiria enveredar pela política a partir de 2003, criando o partido Compromiso para el Cambio, colocado no centro-direita em termos de espectro político. Dois anos mais tarde iria coligar-se com Ricardo López Murphy do Recrear para formarem a Propuesta Republicana, cuja campanha eleitoral (sob a condução estratégica de Jaime Durán Barba em quem passou a depositar confiança desde então) lhe rendeu o cargo de deputado nacional por Buenos Aires no Congresso. Macri candidatou-se mesmo à liderança camarária em 2007, conquistou os objectivos e, perante a força revelada, afirmou-se como principal rival posicionado à direita do então presidente do país, Nestor Kirchner.
A coligação com Francisco de Narváez e Felipe Solá em 2009 parecia augurar-lhe candidatura à presidência para 2011, mas, também por influência dos resultados das sondagens, indicando que uma candidatura de Nárvaez poderia ter melhor desempenho, Macri optou por se recandidatar à liderança da capital e foi bem-sucedido. Entre os pontos positivos do trabalho desenvolvido pelo Executivo do milionário na capital encontram-se melhorias na rede de transportes públicos, incluindo infra-estruturas para comboios, metro, bicicletas e autocarros rápidos. Como contraponto, Macri enfrentou conflitos com os sindicatos da administração local (uma das primeiras medidas que adoptou foi o despedimento de 2.400 trabalhadores municipais) e também braços-de-ferro com os governos por causa de mudanças na legislação a propósito da tutela sobre as forças policiais da cidade.
Mulheres e família
Pai de quatro filhos e contrário ao aborto, Macri casou-se por três vezes. Na juventude foi casado com Ivonne Bordeu, filha de um praticante de desporto automóvel (Juan Manuel Bordeu) e meia-irmã do actor Juan Cruz Bordeu. Apesar de o divórcio não ter demorado muitos anos, foi com Ivonne que o novo presidente teve três filhos: Agustina, realizadora cinematográfica de 33 anos que estudou em Barcelona e só voltou à Argentina em 2008; Gimena, de 30, também dedicada às artes criativas (desenho e pintura, neste caso) e que, após estudos nos Estados Unidos, rumou em 2004 a Inglaterra para estudar desenho e tem conseguido vender por milhares de dólares algumas das criações que expõe; e Francisco, de 26 anos, que permanece longe da ribalta e de quem pouco se sabe além do facto de ter estudado no Colégio Cardenal Newman como o pai e de ter sido praticante de râguebi. Antonia, de quatro anos, é a filha mais nova, resultado do casamento com Juliana Awada. “Agora desfruto mais da paternidade, Antonia mudou a minha vida”, confessou Macri na campanha para as presidenciais.
A modelo Isabel de Mendateguy foi a segunda mulher de Macri, mas também neste caso a ligação não resultou e, em 2010, o empresário casou-se com Juliana Awada, de 41 anos, a quem conhecera num ginásio de Barrio Parque. Desenhadora e accionista numa companhia de moda que a mãe, Elsa Baker, de 79 anos, ainda dirige (Abraham, o pai, já morreu), Awada realizou estudos de inglês em Oxford, foi casada durante pouco tempo na juventude, mas só seria mãe pela primeira vez (nasceu a filha Valentina) durante a ligação de 10 anos com um conde belga que tinha investimentos agrários na Argentina.
O relacionamento com Macri iniciou-se em 2009, resultando em casamento no ano seguinte e Juliana, a quem chama “hechicera” (feiticeira), é apontada como factor importante nas mudanças do presidente.
Descontraído, o casal não tem mostrado problemas em aparecer por diversas vezes na televisão para participação em programas de entretenimento onde chegam a abordar questões de foro íntimo. Por exemplo, quando lhe perguntaram como era o marido no quarto, Juliana respondeu com outra pergunta: “Não vês a cara de satisfeita que tenho?” Quanto a Maurício, também não receou responder a uma dúvida semelhante, colocada numa entrevista há cerca de dois anos. “A minha mulher tem demasiado sexo, é insaciável!” E, quando rumaram a Roma para encontro com o compatriota Papa Francisco, a imprensa argentina deu amplo eco das brincadeiras com a filha e da troca pública de carinhos.
Agora o mesmo partido (Cambiemos) lidera a República, a província e a cidade de Buenos Aires e não haverá melhor teste do que perguntar a quem conhece Maurício Macri desde criança para saber quem é, afinal, o novo presidente da Argentina. A resposta mais comum não andará longe disto, como explica o diário “El País”: “Maurício mudou – aprendeu.” No próximo dia 10 irá tomar posse como sucessor de Cristina Kirchner. E aí começam os desafios.